Ultimamente tenho pensado no tempo e energia empregados em prol da posteridade daquilo que fazemos em vida. Inegavelmente, essa ideia de "imortalidade" serve como um consolo ainda maior para artistas e intelectuais, que se regozijam com o pensamento de estarem legando suas obras a um futuro que jamais verão, uma imagem no mínimo romântica de seus trabalhos sendo acessados, estudados e cultuados por gerações futuras que jamais conhecerão - e do que, se me perdoem o pragmatismo, jamais tirarão proveito algum. Bem, e quem melhor que Woody Allen para ilustrar isso, não é mesmo? Como não dá pra ser imparcial num assunto desses, exponho aqui unicamente o ponto de vista dele, que para mim é o mais elucidador de todos. Para tanto, pincei dois momentos em que ele discute um pouco a ideia dos seus trabalhos serem vistos pelo público de, digamos, 2237.
Primeiramente, temos um personagem
de seu filme Interiores (1978), um escritor frustrado pela recepção morna
de crítica e público que, numa das cenas, discute com a esposa a fraca expressão do seu trabalho.
RENATA: Nós já concordamos que trabalho bem feito tem valor à longo prazo.
FREDERICK: Eu não me importo com trabalho bem feito! Eu não quero esperar anos. Eu quero ser capaz de arrebatar as pessoas agora!
RENATA: Eles são mais rigorosos com você porque você persiste. Eles se recusam a admitir que...
FREDERICK: Pare de procurar desculpas, ok? Eu não estou escrevendo para uma cápsula do tempo.
A imagem da capsula do tempo é perfeita. O que Frederick quer é reconhecimento em vida. Não vê recompensação na possibilidade de ter escrito livro avançado demais para o seu tempo ou que, ironicamente, só o alçará ao status de imortal depois que ele morrer. Para esclarecer mais isso, temos uma fala do próprio Woody, dita numa entrevista de divulgação de Poderosa Afrodite (1995):
“Mas eu não me preocupo em atingir a imortalidade através do meu trabalho. Eu quero a imortalidade é no meu apartamento! Isso é que conta! Imortalidade artística é catolicismo de intelectual. Os católicos pensam que existe vida depois da morte. Intelectuais que eventualmente podem nem ter relação alguma com o catolicismo pensam que existe vida depois da morte através da arte. Mas os dois estão errados.”
É uma constatação um tanto quanto ridícula justamente por ser dura e óbvia, dita com o típico humor do Woody. Ainda que nos estender sobre o futuro do nosso próprio trabalho nessa dinâmica seja, se me permitem a indelicadeza, uma antecipação besta e uma completa perda de tempo, pensar que somos contemporâneos de um artista fantástico como Woody Allen é, mais que uma honra, um consolo muito mais eficiente.
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