7 de outubro de 2015

quarta-feira, outubro 07, 2015

"Ligue, simplesmente"
Publicado em 1910, Howards End é o quarto romance escrito pelo inglês E.M. Forster (1879-1970) e o seu mais intrigante até então. Com uma seriedade mais destacada do que seus romances anteriores, o livro consagrou-o de vez junto ao público e a crítica da época.

A história trata das irmãs Margaret e Helen Schlegel, de origem alemã, e sua relação com os Wilcox, família tradicional britânica. De classe média alta, as Schlegels são cultas e apreciadoras da arte e da literatura, exercendo sua capacidade de pensar criticamente participando de clubes de discussão – importante salientar o período histórico da obra, onde o pensamento materialista europeu vinha ganhando força juntamente ao movimento do direito feminino ao voto. As Schlegel têm ainda um irmão mais jovem, Tibby, que, mais apático, não participa tanto da história.

Tudo começa com Helen voltando à Londres após uma visita a residência campestre dos Wilcox, a bucólica Howards End, onde ficou noiva do caçula da família, Paul, e desmanchou tudo em menos de quatro horas. Contudo, quando se achou que as relações entre eles haviam se findado para sempre, os Wilcox acabam vindo à capital inglesa para o casamento do primogênito, e se hospedam próximo das Schlegels. Margaret, a mais velha e mais ponderada das duas, tenta então uma reaproximação para redimir o transtorno ocorrido durante a visita de Helen, e acaba desenvolvendo uma grande amizade com a matriarca, Ruth Wilcox. O que não se sabia era que Ruth se encontrava nos estágios finais de uma doença, e em seu leito de morte, redige à mão um testamento no qual lega sua amada Howards End a Margareth, quem ela acredita ser a única pessoa a reconhecer o verdadeiro valor de um lar só seu. Entretanto, Henry, o viúvo, intervém no que acredita ter sido um “equívoco” de sua finada esposa, mal imaginando ele que dali a alguns anos pediria Margareth em casamento.

Nesse meio tempo, as heroínas também conhecem Leonard Bast, um humilde escriturário dado a aspirações filosóficas, e decidam ajudá-lo pela simples resolução de que os mais precisam ajudar o que tem menos. Entretanto, seguindo um mau das duas, Leonard acaba desempregado e numa situação pior do que se encontrava anteriormente.
"A ciência pode explicar as pessoas, mas jamais entendê-las"
Esse é o mote inicial da história, "ousada" por diversas razões. Entre uns e outros aspectos, as Schlegels se permitem algumas liberdades que surpreendem os Wilcox em vários momentos – surpresa duplamente associada tanto ao fato de serem mulheres, de quem aquela atitude não era esperada, quanto ao de não serem “totalmente” britânicas, já que muito de sua personalidade se deve a sua criação alemã. Os Wilcox, principalmente Henry, são burocráticos, práticos, tradicionais e defendem o abismo que separa entre e pobres como uma separação “necessária”.

Há muitas nuances nesse romance. Escrever em terceira pessoa permitiu a Forster ampliar seu olhar além dos acontecimentos da trama, permitindo-se algumas pausas na história para fazer observações. Mesmo colocando as Schlegels e os Wilcox como forças antagônicas, ele não cai na armadilha de pontuar vilão e mocinho, já que é um maniqueísmo que não lhe cabe; ele parece mais interessado em usar os personagens para representar as disparidades sociais de uma nação em transição.
Cheia de passagens alegóricas, é uma leitura que demanda atenção redobrada, ainda que empaque em alguns momento. É um ritmo e intricado lento que faz com que até mesmo os acontecimentos de reviravolta, ou turning points, são fracamente alardeados e acontecem sem grande alvoroço.

É interessante perceber a passagem do pensamento inglês em detrimento a uma vida mais prática é demostrada pela resolução de Leonard de deixar para trás o amor pela literatura, já que somente o dinheiro, e não a filosofia, que pode salvar a ele e a esposa de morrerem de fome ("Não existem grandes riscos enquanto se tem dinheiro"). Outra forma encontrada por Forster de simbolizar a rendição britânica ao materialismo é encontrada no próprio cenário que ele pinta de Londres; uma metrópole "decadente", onde as casas senhoriais de grande valor histórico são demolidos para dar lugar a prédios “populares”, que comportam muito mais pessoas e geram mais dinheiro para seus empreendedores.

Howards End foi adaptado para o cinema em 1992, numa fidelíssima versão dirigida por James Ivory, fechando uma trilogia de adaptações bem sucedidas de obras de Foster feitas pela companhia Merchant-Ivory, que começou com Uma Janela para o Amor, de 1985, e foi seguida por Maurice, de 1987. O filme, que no Brasil ficou Retorno a Howards End, foi agraciado com nove indicações ao Oscar de 1993, vencendo nas categorias de Direção de Arte, Figurino e Atriz Principal pela atuação de Emma Thompson, soberba no papel de Margaret Schlegel. O restante do elenco também está no ponto: Anthony Hopkins (Henry Wilcox), Helena Bonham Carter (Helen Schlegel), Vanessa Redgrave (Ruth Wilcox), entre outros.

O filme, como já dito, é bastante fiel e fez jus a grandeza da obra.

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