23 de novembro de 2015

segunda-feira, novembro 23, 2015
Título: O valor da literatura chega como uma pancada
Sinopse: Victor, funcionário novato de uma livraria, é obrigado a lidar com um cliente chato que, apesar da presença assídua, nunca compra nada. O que ele não esperava era que teria que lidar o tipo mais nocivo desse seleto subgrupo: o intelectual pedante.
_____ TRECHO _____
Eu estava arrumando a prateleira de promoções quando Seu Horácio, o gerente da livraria, se materializou do meu lado feito uma aparição.
“Victor!” ele disse “Victor, veja, é ele! Está aqui outra vez!”
Nem precisei perguntar para saber do que Seu Horácio falava; meus olhos se ergueram automaticamente para um cara a algumas prateleiras de distância, na seção de clássicos, que folheava calmamente um calhamaço luxuoso, um ar de deleite esnobe; à primeira vista, seria apenas um hipster chato, do tipo que sempre recebemos aqui na livraria, se não fosse o fato de aparecer todos os dias na livraria.
O mais curioso é que ele cumpria sempre uma espécie de ritual: adentrava na livraria com uma atitude superioridade, às vezes dava bom dia, às vezes não, e então seguia direto para a sessão de clássicos. Escolhia um Proust ou Tchekhov da prateleira, sacava um pincenê dourado do bolso e, apoiando-o na ponta do nariz, se punha a ler por horas a fio.
E nunca comprava um livro sequer.
“Estou vendo, Seu Horácio” foi o que respondi ao meu gerente.
“É impressão minha ou ele está lendo Joyce? Ótimo, agora ele está nessa de literatura modernista.”
“Terminou de ler Os Irmãos Karamazov esse mês” informei, não conseguindo esconder certa admiração “Me pergunto como é que ele consegue. Faz seis meses que eu comecei e não estou nem perto da metade do primeiro volume.”
“Isso é um absurdo!”
“Eu sei! Quem é que emenda alta literatura atrás da outra? Tem que ir devagar. Se terminou de ler Dostoiévski, pega pelo menos um Augusto Cury pra dosar.”
“Faça alguma coisa, Victor.”
“Ele sempre me dispensa quando eu pergunto se posso ajudá-lo.”
“Então imponha ordem. Diga que ele não pode ficar lendo assim, ou então invente uma promoção pra que ele compre a porcaria do livro... Não sei, apenas livre-se desse cara!”
O que eu podia fazer? Eu não passava de um reles novato em período de experiência, e qualquer deslize, rua. Portanto, ajeitei a gola da minha farda e fui lá ter com o tal cara.
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